“Para quem eventualmente considere
que podem ser moralmente neutras - ou socialmente inócuas - as exorbitâncias
remuneratórias no sector privado". Uma sugestão de Filipe Neto Brandão, com a qual o Paul está de acordo, partilhamos o artigo de Francisco Sarsfield Cabral.
12 de Setembro, 2011por Francisco Sarsfield Cabral
John Pierpont Morgan (1837-1913) foi um grande banqueiro norte-americano, numa época de capitalismo selvagem. Ele e alguns outros empresários da sua época ficaram classificados como robber barons. Este clássico capitalista – até fumava charutos em série – entendia, no entanto, que a remuneração do executivo máximo de uma empresa não deveria exceder 20 vezes o salário mais baixo pago nessa empresa.
Mais perto de nós, o austríaco de nascimento Peter Drucker (1909-2005), filósofo, economista e ‘pai’ da moderna gestão empresarial, achava que os ganhos do administrador de topo teriam de se ficar por 20 vezes o salário médio (e não já o mais baixo) da empresa. Mas o que vemos hoje está longe das ideias de J. P. Morgan e de P. Drucker.
Há dez anos os administradores das 100 maiores empresas britânicas ganhavam 47 vezes mais do que o salário médio (não o mais baixo) dos seus trabalhadores. Em 2010 recebiam 120 vezes esse salário médio. Nos Estados Unidos, em 2008, os gestores máximos ganharam 318 vezes o salário médio das suas empresas.
Com a crise global os vencimentos milionários baixaram um pouco – a remuneração média anual, fixa e variável, de um administrador de uma sociedade anónima norte-americana rondou, em 2009, os dez milhões de dólares anuais, contra 15 milhões em 2007. Mas os vencimentos dos gestores voltaram à tendência de subida. Nas 100 maiores empresas cotadas na Bolsa de Londres os vencimentos dos gestores subiram 32% em 2010, sem que o valor das suas empresas tenha aumentado significativamente.
Por cá esta tendência também se sente. Recordem-se os extravagantes vencimentos dos administradores do BCP no tempo de Jardim Gonçalves, muito acima dos níveis correntes noutros bancos. Em 2009, ano de crise, os presidentes executivos das empresas cotadas na Bolsa de Lisboa receberam, em média, mais de um milhão de euros cada. Houve quem recebesse mais de três milhões.
Diz-se que reclamar contra os vencimentos fabulosos dos gestores empresariais revela inveja. Talvez, mas está em jogo algo mais importante. Em particular numa altura em que tanta gente mal ganha para comer, em parte devido a loucuras do sector financeiro ditadas por um espírito de ganância sem limites, é uma questão de elementar decência. E não é irrelevante para a saúde das nossas sociedades a machadada na coesão social que representam certos vencimentos milionários, impensáveis no tempo do clássico capitalismo selvagem.
Por isso importa garantir que os ganhos dos gestores efectivamente premeiem uma boa performance da empresa em causa. Nem sempre isso aconteceu – como quando responsáveis por bancos salvos da falência pelo dinheiro dos contribuintes norte-americanos e britânicos vieram reclamar os tais prémios milionários.
E tem de haver transparência, sobretudo nas empresas que estão na bolsa. Deve ser público o que ganha cada administrador e não apenas (como entre nós acontecia até há pouco) o dinheiro ganho pelo conjunto do conselho de administração. Nos EUA esta disposição está prevista na reforma do sector financeiro, a chamada lei Dodd-Frank. Mas os congressistas republicanos, agora em maioria na Câmara dos Representantes (não no Senado), tentam eliminar da lei aquela exigência. A Agência Bancária Europeia quer que os bancos revelem os funcionários que ganham mais de um milhão de euros anuais.
Na primeira linha de combate aos exagerados vencimentos de alguns gestores devem estar os accionistas das respectivas empresas, teoricamente os seus donos. Graças a eles, nos EUA e na Europa houve nos últimos anos consideráveis avanços em relação ao tempo em que, perante a passividade dos accionistas, a maioria desses vencimentos era fixada por um conselho de gestores não executivos – mas executivos noutras empresas, logo inclinados à generosidade (porque um dia lhes tocaria a eles beneficiar dessa generosidade). Mas o problema interessa a toda a sociedade, não é só dos accionistas.

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