Eleições livres e democráticas pressupõem um povo livre, livre das amarras do passado absolutista e salazarista que limitou a liberdade de pensamento e endoutrinou-o no caldo corrosivo da subserviência, do medo, das ameaças, das perseguições e dos castigos. Trata-se de uma caldo pronto a servir por uma qualquer sopeira que governa os tachos do poder.No caminho desta formatação psicológica e cultural nem todas as promessas de Abril se fizeram ecoar por entre as montanhas e vales da nossa Terra, em que muitos vivem e, ainda, aprendem a viver de “espinha” curvada aos pés dos senhorios do poder local e regional, como se de uma tribo fizessem parte e ao soba a sujeição humilhante e indigna da pessoa humana.
O poder não é pertença de um partido, nem das famílias protegidas, favorecidas e abastadas pelo antigo e pelo novo regime, muito menos de um qualquer senhor que se diga iluminado e detentor de poderes arbitrários que anulam as elementares regras de um Estado de direito democrático que, segundo a Constituição, se baseia no pluralismo de expressão, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais. Refiro-me, apenas, à Constituição maltratada pelos Órgãos de Governo Próprio, ou melhor, pelos seus controladores, para não entrar no campo da ética dos Direitos Humanos, aos quais Portugal está, juridicamente, comprometido.
E, digo mais, numa democracia tem de haver condições para que a alternância de partidos no poder aconteça, sob pena de se adensarem as teias dos medos, cumplicidades e favoritismos que minam a liberdade, a justiça, a verdade e que tornam opacas as regras e critérios da boa gestão dos recursos de todos.
O facto de há mais 30 anos a alternância democrática não ter acontecido, inédito nas democracias modernas, indicia má qualidade democrática. Aliás, os indícios estão à vista dos que querem ver e dos que não são desmemoriáveis. A Assembleia Legislativa não cumpre com os seus deveres de supervisão do Governo e a maioria absoluta impede o debate livre, justo e plural, perante a confrangedora falta de sentido de responsabilidades, e nalguns caso de ética, de alguns deputados e dirigentes da maioria. O mesmo se aplica a outros patamares de poder local e regional, cujos seus detentores aprenderam na mesma escola e doutrina, esvaziada de valores e tomada pela gula de poder.
Olhemos, agora, para as campanhas eleitorais. Os eleitores são encharcados com a informação manipulada pela gigantesca máquina de propaganda do poder e sujeita aos condicionalismos acima referidos. Uma informação que procura eclipsar a verdade dos factos e fracassos da governação e, também, a voz dos que ousam criticar o poder instalado e a de alguns partidos da oposição. Disse alguns partidos, pois a sua generalização seria injusta para os que, sem disfarces camaleónicos, lutam por uma democracia de qualidade e respeitadora dos seus princípios e valores.
As eleições são transformadas em plebiscitos contra os inventados “inimigos externos”, qual D. Quixote a lutar contra moinhos de vento. Para as próximas a Constituição será o inimigo nº 1 e já consta da lista de ingredientes a juntar ao caldo a ser servido pelas sopeiras nesta campanha eleitoral. Ora, a essência das eleições para eles, é, e sempre foi, considerada uma reunião de plebeus.
Escrevi este artigo sem rancores pessoais e contra ninguém, até porque tudo o que disse não é obra de uma só pessoa, mas, por actos, pensamentos e omissões, é pecado de todos. E, assim, deixo a questão, cuja resposta honesta obriga a uma reflexão: Que eleições temos nós?
Artigo de opinão publicado no DN-M. 29.07.09
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