terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Os quatro pecados das contas do Governo


Os quatro pecados das contas do Governo

Madeirenses vão pagar 5,8 mil milhões de euros pelas 'engenharias' de endividamento

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A dívida total da Região equivale a dez anos de receitas fiscais. FOTO ARQUIVO
Ficheiros em anexo


No ano 2000, a Região Autónoma da Madeira quase não tinha dívida pública, após o Governo de António Guterres ter assumido boa parte dos calotes existentes até à data. Mas uma década depois, o Governo Regional, a braços com uma dívida de 6 mil milhões de euros, foi obrigado a pedir auxílio à República.
O que aconteceu nesta década para que as finanças públicas resvalassem para uma situação de asfixia absoluta? A explicação está na ânsia em realizar obras muito para além das suas possibilidades financeiras e no consequente recurso a quatro soluções de 'engenharia financeira' para garantir os muitos milhões em falta.
Dívida directa
No final do primeiro semestre de 2011, a dívida pública directa ascendia a 1.031 milhões de euros e correspondia na sua quase totalidade a empréstimos bancários de médio e longo prazos. É porventura a parcela mais transparente da dívida da Região Autónoma da Madeira, ainda assim alvo de reparos da Inspecção Geral de Finanças (IGF) no relatório de diagnóstico às contas regionais. Este organismo de fiscalização alertou que "o regime de fixação dos limites de endividamento directo da Região (…) propicia o crescimento do stock da dívida, uma vez que apenas tem em conta os encargos a suportar anualmente com o serviço da dívida, independentemente do valor acumulado daquele stock. A prática reiterada de acumulação de dívida tem vindo a potenciar o endividamento excessivo".
Dívida indirecta
Críticas mais severas merece o endividamento indirecto, através de um conjunto de 51 empresas total ou maioritariamente detidas pela Região. Enquadram-se nesta categoria as sociedades de desenvolvimento, o Serviço Regional de Saúde (SESARAM), a Administração de Portos (APRAM) e a Empresa de Electricidade da Madeira, isto só para citar algumas com maior peso nas finanças regionais. No final de Junho passado, o Sector Empresarial da Região Autónoma da Madeira (SERAM) acumulava uma dívida de 2.953 milhões de euros, sendo que apenas uma pequena parcela deste montante (179 milhões de euros) correspondia à participação dos privados nas referidas sociedades. Por outro lado, o Governo Regional detinha responsabilidade indirecta sobre os calotes destas entidades no montante de 1.479 milhões de euros na sequência da concessão de avales a empréstimos contraídos por aquelas junto de instituições financeiras.
O relatório denuncia sem meias palavras a função destas empresas: "O recurso a empresas do SERAM terá sido utilizado como forma de contornar os limites ao endividamento, multiplicando-se, desta forma, sem base racional, as estruturas do sector empresarial regional".
Parcerias público-privadas
Um negócio fabuloso para os privados e ruinoso para o sector público. Em síntese, é desta forma que a IGF classifica as duas parcerias público-privadas concretizadas na área das estradas (Via Litoral e Via Expresso). Entre os anos de 1999 e 2005 a Região recebeu 324,2 milhões de euros pela concessão e tem a garantia de realização de investimentos no valor de 218,5 milhões de euros na Via-Rápida e nas vias expresso abrangidas. O grande problema é que terá de pagar 1.956 milhões de euros até ao ano 2029. Feito o balanço, os privados encaixam mais de 1.413 milhões de euros nestes dois negócios.
"Quanto a estes dois contratos, que absorvem sensivelmente cerca de 10% das receitas da RAM, importa referir a conveniência dos mesmos serem negociados com os concessionários, pois têm uma taxa de rentabilidade interna real do investimento extremamente alta, de cerca de 11% anuais, podendo equacionar-se a transferência das competências das concessionárias para a empresa Estradas da Madeira, SA, ou, pelo menos, dos investimentos estimados de manutenção que se realizam de 5 em 5 anos e que nesta data já existem alguns atrasos", recomenda a IGF no mesmo relatório.
Encargos não pagos
Os encargos assumidos e não pagos (EANP) foram o 'jocker' que surgiu no decorrer dos trabalhos de apuramento da situação das finanças públicas da Madeira. Trata-se de facturas por pagar a fornecedores, especialmente nas áreas da saúde e construção. Entre EANP com e sem acordos de regularização, esta solução de endividamento representa 1.805 milhões de euros. Cerca de 170 milhões de euros de EANP, abrangidos por acordos de regularização de dívida celebrados entre 2008 e 2011, foram deliberadamente omitidos pelo Governo Regional nas suas contas e só agora foram revelados às autoridades estatísticas nacionais.
No lote de EANP incluem-se ainda 274 milhões de euros de encargos da operação Viamadeira, uma terceira parceria público-privada para obras em sete estradas em construção, que só não avançou devido a dificuldades de financiamento.
É neste domínio que a Inspecção Geral de Finanças aponta as falhas mais graves nas contas do Governo Regional: "Tem-se verificado o incumprimento reiterado de regras básicas de administração financeira dos dinheiros públicos, como seja, a regra do cabimento dos compromissos a assumir e respectiva relevação contabilística, o que conduziu nos últimos anos ao aumento dos encargos assumidos e não pagos. O incumprimento do dever de informação sobre todos os compromissos assumidos e não pagos, como referido anteriormente, consubstancia violação da lei".
No global e no melhor dos cenários, a Região terá de pagar 5,8 mil milhões de euros até ao ano 2030 em responsabilidades decorrentes da dívida pública directa, titularizações de créditos, parcerias público-privadas e acordos relativos a EANP. O pior é que mais de metade de tais encargos - 3,5 milhões de euros - terá de ser saldada até ao ano 2015.

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